Todas as versões da edição de 2023 da E3 foram oficialmente canceladas esta quinta-feira, dia 30 de março.
A Electronic Entertainment Expo, vulgarmente conhecida como E3, não vai ver a luz do dia em 2023. Depois de meses de dúvidas quanto à sua execução que tardava em ter confirmações de peso, chegou esta pesada notícia.
Ubisoft e Nintendo, dois dos maiores nomes da indústria confirmaram oficialmente a sua ausência desta feira internacional de videojogos nas últimas semanas. A Microsoft tinha anunciado que só iria marcar presença na versão digital e rumores apontavam que a PlayStation também não iria marcar presença no evento.
Sem os cabeças de cartaz, este festival de jogos eletrónicos ficou sem música para tocar naquele que seria o seu regresso aos palcos depois de quatro anos de cancelamentos e eventos digitais devido à pandemia de COVID-19.
O evento tinha data marcada para meados de junho naquele que foi o berço desta festa do gaming, o Los Angeles Convention Center, em 1995. Na sua edição inaugural, a E3 contou com as três caras dos videojogos dos anos 90 – a Nintendo, a Sega e a Sony -, numa iniciativa que marcou o início de algo que viria a ser durante mais de 20 anos um marco anual de lançamentos, anúncios, previsões e esperança.
Claro que a E3 nunca se resumiu só ao seu grande palco, contando todos os anos com uma área de experimentação, a icónica E3 Showroom, por onde passaram praticamente todos os grandes títulos que marcaram a era contemporânea dos videojogos.
A beleza dos corredores onde foram apresentados tantos testes de jogos que viriam a ser porta-estandartes da indústria, contudo, ficava ofuscada nas horas das apresentações. A mística de ver as caras que criavam cada uma das obras que chegavam às nossas consolas era desvendada cada vez que uma marca era apresentada, os aplausos do público davam som às máscaras que caíam e nos mostravam que os jogos não apareciam por magia, mas sim pelas mãos de pessoas extremamente talentosas.
Por infelicidade, ou por evolução dos tempos, esta mística foi-se perdendo. A era da Internet estava à porta da E3 montada em seu cavalo branco e de foice na mão para a lembrar que não há segredos na World Wide Web. Sem segredos não há magia, e era de magia que a E3 vivia.
Com cada vez mais acesso do público às redes sociais e às plataformas informativas, as novidades cada vez menos eram novidade. Poucos eram os jogos que chegavam a uma E3 como uma surpresa que não tivesse já corrido milhões de telas de telemóvel.
O quebrar do secretismo passou de um momento exclusivo neste evento para uma estratégia de marketing aplicada por toda e qualquer empresa na indústria da tecnologia. Verdade seja que não podemos apontar o dedo às marcas por o fazerem, ou o passavam a fazer por vontade própria, ou alguém daria o leak da mais recente novidade através de um post no Reddit em modo anónimo.
De qualquer das formas, os seus segredos nunca chegariam intactos à E3 e de um mar de surpresas teríamos apenas uma apresentação com fogo de artifício e meia dúzia de atores para chamar a atenção do público. Ao ler esta frase estou a lembrar-me diretamente das últimas cinco edições do evento pré-COVID.
As caras por trás dos nossos jogos favoritos também deixaram de ser pessoas inatingíveis que víamos aqui e ali em páginas de revistas. Todos os criadores, escritores, artistas, passaram a ter as suas páginas de Twitter, Blogs, Behances, onde mostravam cada passo da sua arte a um público que tinha abandonado a vontade ser surpreendido por uma fome de novidades a todo o dia, a toda a hora.
A E3 ainda tentou reinventar-se ao longo dos anos, fechando o evento a engravatados, depois abrindo o evento a mais gente do que a versão original. Tentaram também cruzar eventos digitais com o evento presencial, recorreram aos YouTubers para apresentar o espetáculo e abriram as transmissões a todos na Twitch, mas nada resultava.
A Entertainment Software Association, organizadora da E3, tinha criado um evento com data de validade e parecia que toda a gente sabia disso, menos os próprios. Nos últimos dez anos, já se dizia que a E3 estava moribunda ou mesmo morta sem que o soubesse e que estaríamos a assistir a um fantasma em fase de negação. Apesar das conversas de bastidores, o evento foi-se aguentando ano após ano e mesmo durante uma pandemia global conseguiu realizar um evento digital em 2021 onde reuniu novamente alguns dos grandes da indústria. Mal sabiam que este seria o seu último suspiro.
Claro que a organização se defende dando como razão para a ausência das marcas a falta de demos jogáveis até ao verão, mas a verdade aparenta ser outra. Dois anos em casa confirmaram aquilo que as grandes marcas já sabiam: todas podiam criar a sua própria versão da E3, dedicada exclusivamente à sua imagem, e o público iria consumir como água no deserto. Com isto não digo que a pandemia tenha sido a morte do evento, esta já tinha chegado mais cedo, mas foi o último prego no seu delicado caixão.
Na página da Wikipédia dedicada à E3, a razão para o cancelamento da edição de 2023 é “Cancelada devido à falta de interesse e participação das grandes publicadoras”. Eu não sei quanto a vocês, mas esta frase dá-me um nó na garganta que não consigo desentrelaçar.
Tenho 30 anos, estaria perto de fazer 31 aquando desta edição e iria consumir o evento como sempre consumi (desde que passou a ter transmissão aberta): em frente a um ecrã, a beber de cada momento sabendo que algum dia seria o último. A perda da E3 é, para mim, como um daqueles amigos que um dia fez logout pela última vez no nosso MMORPG favorito e nunca mais o voltámos a ver.
Espero que um dia nos voltemos a cruzar, Electronic Entertainment Expo, seja para o ano, seja noutro formato, seja como for. Obrigado por tanto me fazeres sonhar e obrigado por me trazeres até esta indústria que passou de nomes numa lista de créditos a caras e vozes reais.
O resto do mundo do gaming continuará o teu legado e parte dele passa por aqui.