O Hearthstone Masters Tour Arlignton, primeiro Masters Tour de 2020, começa já no próximo dia 31 de janeiro. Em prova entre os melhores jogadores do mundo de Hearthstone estão 3 portugueses: DrBoom, Reliquary e TheTeacher.
Neste lote de jogadores, no entanto, existe uma história que poucos conhecem, a de Reliquary e TheTeacher. Miguel “Reliquary” Galante e Barbara “TheTeacher” Coelho, estão juntos há 8 anos e quando começaram a namorar ainda nenhum sonhava ser jogador profissional de Hearthstone. Agora, estão os dois qualificados para um dos maiores torneios mundiais da modalidade.
A RTP Arena foi conhecer um pouco mais desta história de amor que neste momento partilha de um objectivo comum, conquistar o Masters Tour Arlington.
Olá pessoal! Deixem-me começar por dizer que acho a vossa história incrível e talvez inédita em esports, um casal de jogadores profissionais a disputar um Major de Hearthstone. Vamos começar com uma pergunta que já vos deve ter sido feita dezenas de vezes, quem influenciou o outro a jogar HS?
Teacher: Ele [Reliquary] teve beta de Hearthstone e quando o jogo saiu ele lá disse, “vá experimenta este”, e eu experimentei.
Ou seja foi o Reliquary que te influenciou a jogar Herthstone.
Reliquary: É pá isto já em 2014 ou 2013. Na altura também nem joguei muito até porque não tinha amigos para jogar. [risos]
Portanto, ambos a jogar mas um profissionalizou-se primeiro. Neste caso o Reliquary, que começou a jogar na Equinox, Como é que isto afectou a vossa relação na altura?
Teacher: Nessa altura, ele ao fim de semana acabava por estar muito tempo no jogo, ou por vezes apenas a falar com os membros da equipa. Entretanto eu também fui conhecendo algumas pessoas da equipa, por estar no discord a falar.
Reliquary: Quando eu fui para lá, andava a jogar um pouco por diversão. Eu tentei competir mas não durei muito tempo. Eu quando jogo gosto sempre de explorar o competitivo e antes deste já o tinha feito noutros jogos, portanto até já era normal para nós. Quando fui para a equipa, o que aconteceu foi que as vezes estávamos os dois no discord e mesmo ela não estando comigo, estávamos todos lá e jogávamos juntos de qualquer modo.
Esta é para ti Teacher, nas competições em que o Reliquary participava, que correram o país, acompanhavas o teu namorado?
Teacher: Eu sempre que podia ia com ele.
Reliquary: Acho que só não foi uma vez, que foi uma competição no Porto.
Teacher: E mesmo essa, fiz o almoço em casa e pus a competição em stream para toda a gente ver!
Como é que eras como espectadora, sofrias a ver o Reliquary a jogar?
Teacher: Eu sofria um bocado, mas nessa altura também ainda não percebia muito do que se estava a passar. Haviam muitos decks que eu não percebia mesmo nada do que faziam. O mínimo eu sabia e já era suficiente para sofrer.
Quando é que começaste a jogar mais competitivamente?
Teacher: Foi em outubro ou novembro de 2018.
E já esperavas alcançar o teu namorado? Quando o vias a jogar competitivamente pensavas “eu podia estar a competir no mesmo torneio que ele”?
Teacher: Não, eu nunca pensei nessas coisas. Só depois de ir a um torneio e experimentar, é que percebi que conseguia, antes disso nem pensava nisso.
E tu Reliquary, achavas que iríamos estar aqui neste momento em que a Teacher participa em torneios e competições contigo?
Reliquary: Eu não sabia que isto viria a acontecer mas eu comecei por insistir com ela pelo menos para participar nos mais pequenos e nacionais, como a Taça de Portugal e assim. Ela até ia conseguindo bons resultados e conhecia muita gente da comunidade, criando relações que a ajudaram a entrar mais a fundo na comunidade.
Como foi como rapariga entrar nesta modalidade, ou seja, não só nos esports mas em específico no Hearthstone, que é em grande parte dominado pelo sexo masculino?
Teacher: É um bocado… estranho, mesmo para a minha família e pessoas fora do Hearthstone, aceitam muito mais facilmente ele jogar do que eu jogar. As pessoas assumem sempre que estão a jogar contra um rapaz. É um bocado estranho estar a jogar e aparecer alguém a perguntar “o que é que estás a fazer? percebes alguma coisa disso?”, isto aconteceu-me ainda esta semana. Era um colega, que mal conheço e chegou-se “mas tu sabes que é que estás para aí a fazer?” eu respondi “oh pá, por acaso até sei” e ficou ali a conversa, ficou pasmado a olhar para a mim a ver o que eu estava a fazer. Para as pessoas é um bocado estranho e quando as pessoas são pouco receptivas nestes ambientes, tu acabas por te sentir um bocado deslocada.
Reliquary, sempre acreditaste que a Teacher ia conseguir alcançar o nível de se qualificar para Masters Tour e competir entre os melhores do mundo?
Reliquary: Sim! É assim, ela é Matemática, tem que conseguir! (entre risos) Não mas, mais seriamente, nós jogávamos juntos e com outros membros da comunidade, e ela jogava com poucos decks mas sabia jogar bem e percebia rápido todas as mecânicas. Sempre que cometia um erro era rápida a aperceber-se dessa mesma falha e identificava o que tinha corrido mal, isso é das coisas mais importantes para conseguir evoluir. Por isso eu até não estranhei e a partir do momento em que nos propusemos a qualificar para os Masters, acho que podia acontecer para qualquer um.
Vocês agora estão os dois a representar a Oro Esports, como é que a vossa relação se encaixa na própria estrutura da equipa?
Teacher: É assim, ele [Reliquary] é o coordenador de Hearthstone dentro da Oro.
Reliquary: Mas…
Teacher: Mas eu é que faço muito do trabalho (desatam os dois a rir). Para o Drumz [CEO da ORO Esports] é tranquilo. O Drumz foi uma pessoa que sempre acreditou em mim, nunca duvidou de nada. É do tipo, “qualificaste-te? Ok, bora tratar das coisas”, nunca pôs nada em causa nem a mim nem a ele [Reliquary]. Eu tive um torneio na Bélgica em que eu quase não ia recuperar dinheiro, foi mesmo à última da hora e ele disse-me “qualificaste-te? é pá, vais” e até fui sozinha nesse, fiquei muito triste. Quanto aos outros colegas, aquele com quem temos tido mais relação é com o GoldenJohnny, que já conhecemos desde a Equinox, e para ele é na boa. Dentro da Oro sou uma jogadora normal.
Reliquary: Acho que na secção de Hearthstone é tudo tranquilo uns com os outros, costumamos estar todos juntos. Às vezes ligam para mim e pergunta por ela e vice-versa. Em termos de funcionamento, eu costumo estar mais em cima se aparece algum torneio inesperado e por vezes até é ela a comunicar. Outras vezes pedem-me coisas que acaba por ser ela a ajudar até.
Sendo os dois jogadores de alto nível, quem faz os decks?
Teacher: É ELE!
… Ou juntam ideias e partem daí para um deck?
Teacher: Ele tem mais experiência a fazer decks e mais conhecimento, não só das cartas mas de como elas interagem. Há decks que vão aparecendo e rodando e eu não tenho ideia de como funcionam porque nunca joguei com eles.
Reliquary: Às vezes o que acaba por acontecer é ela dizer-me “joguei com este deck e com este e acho que estão bons, eu quero levar estes decks”, então tiramos meia horinha, uma hora a perceber como é conseguimos uma maneira de levar estes decks numa lineup de 4 decks. Vemos se não dá mesmo, ou se é necessário cortar algumas coisas.
Teacher: Eu ainda tenho alguma dificuldade em preparar lineups.
Sendo assim acabam por partilhar muito dos vossos decks e apresentar lineups praticamente idênticos. Mas e na escolha de classe? Ignorando totalmente o meta, porque obviamente aí são “obrigados” a jogar dentro do meta-game.”
Teacher: A minha classe favorita é Mage, eu adoro Mage!
Reliquary: Também é a minha mas nós gostamos de Mage jogados de maneiras completamente diferentes.
Teacher: Sai uma nova season eu vou logo procurar um deck de Mage! Pode até não ser bom, mas eu tenho de ter um deck de Mage!
Reliquary: Ela gosta de coisas mais agressivas. Já eu, gosto muito dos meus combos, de jogar “sozinho”. O meu deck favorito que ainda é e sempre foi é Freeze Mage, que infelizmente não é possível por causa da remoção das cartas. Mas diria que neste momento talvez Rogue comece a tirar o lugar a Mage. Eu gosto de fazer coisas injustas!
Teacher: Ele é mau!
Portanto se jogasses Magic jogarias de Azul.
Reliquary: CLARO! Eu adoro jogar de Azul!
Chegamos agora à história dos Masters Tour. Aqui nos mais recentes, nenhum de vocês conseguiu a qualificação para Vegas. Depois temos aqui uma qualificação do Reliquary para o Masters Tour de Seoul, onde a Teacher não conseguiu a qualificação. No Masters Tour seguinte, em Bucareste, aconteceu exactamente o contrário, a Teacher conseguiu a qualificação e o Reliquary não. Como é para vocês ver o outro a competir ao mais alto nível e não ter conseguido a qualificação?
Reliquary: Eu fico sempre feliz por ela claro. E como nós trabalhamos juntos, é o resultado do trabalho dos dois portanto algo estamos a fazer bem, mesmo que um não vá.
Teacher: Para toda a gente acho que o que foi mais surpreendente foi eu ir a Bucareste e ele não. Havendo um de nós qualificado as pessoas supõem sempre que será ele e não eu.
Agora conseguiram os dois a qualificação para Arlington. O Reliquary conseguiu a qualificação primeiro, e depois já a bater no final, a Teacher também consegue. Sempre acreditaram que poderiam vir a jogar juntos um Masters Tour?
Teacher: A partir do momento que conseguimos qualificar-nos a primeira vez, acreditamos que conseguimos sempre qualificar-nos na próxima, que nem sempre acontece.
Reliquary: Sim eu acredito que não fui a Bucareste por causa disso, estava tão confiante então tirei uma hora ou outra que não devia ter tirado.
Teacher: Eu joguei 6 meses até me qualificar a primeira vez e foi incrível eu nem queria saber o resultado lá, já estava contente só por ter conseguido. Estando ele já qualificado para Arlington pensámos, epá não pode ser um de cada vez, OUTRA VEZ. Então comecei a pensar depois dele se qualificar, tenho duas semanas para me qualificar, tem de ser! Ele não vai sozinho para o Texas! Ainda por cima uma viagem tão grande. Bucareste como era aqui perto e estávamos no verão, e também como já não íamos de férias para lado nenhum então ele aproveitou e veio comigo.
Isto vai ser uma espécie de lua-de-mel?
Teacher: Isso era no Bali! Na praia com muito Sol!
Reliquary: É o próximo!
Então, aproveitas Reliquary e pedes a Teacher em casamento no Texas para depois terem a lua-de-mel no Bali!
Reliquary: Uns jogadores espanhóis disseram que se um de nós vencer terá de haver pedido em palco!
Quem é mais competitivo entre os dois? E já agora quem é o pior perdedor?
Reliquary: Eu acho que sou eu nos dois. (risos) Mas calma! Eu não dou tilt quase nenhum só que ela não dá mesmo nenhum!
Teacher: Eu aceito apenas. Se eu perder e sentir que não podia ter feito nada, eu aceito e continuo com a minha vida. Ele não, ele chateia-se. Eu mais depressa me chateio com ele do que com o jogo. Eu às vezes faço determinada play e refila “porque é que fizeste aquilo”, e eu às vezes não acho piada e chateio-me.
Vocês já jogaram um contra o outro em torneio, como foi essa situação? Algo que pode muito bem vir a acontecer em Arlington.
Reliquary: Jogámos um contra o outro e fui espancado, pronto.
Teacher: Fiz top 8 nesse torneio até.
Reliquary: Por acaso até estávamos os dois bem e não me importei muito. Também já nos perguntaram “em Arlington se estiverem perto do top 8 e quem ganhar faz top 8, o outro fica fora” e eu digo sempre, oh meus amigos, se estivermos os dois a jogar pelo top 8 não há problema nenhum! Nessa cup ela de facto conseguiu o top 8 e basicamente correu comigo para fora desse lote mas até acho que foi a única vez.
Teacher: Sim foi. Não gostámos de calhar um contra o outro. Em tantas cups que fizemos só calhar 1 vez também é sorte. Eu joguei como se não fosse ele.
Reliquary: Nesse dia até estávamos os dois lado a lado, virámos os ecrãs, um para a esquerda, um para a direita e lá jogámos.
Agora para finalizar está conversa que já vai bem longa, acham que vos ajuda a crescer jogarem juntos pelo mesmo objectivo? E acham que mais jogadores deviam treinar com os companheiros?
Reliquary: Acho que acaba por ajudar e cria um incentivo saudável. Eu sempre ouvi dizer que se o teu namorado te ensina a jogar o jogo que ele joga é porque ele gosta mesmo de ti.
Teacher: As outras pessoas com namorada ou namorado que não joga, têm sempre aquela cena de oh pá hoje não posso, tenho de ir ter com a minha namorada. E nós não, muito do tempo que estamos juntos, estamos a jogar.
Reliquary: No formato das competições neste momento, se um não competisse, o outro era obrigado a estar sexta, sábado e domingo a ver o outro a jogar. Provavelmente ia correr mal e era estranho. Eram muitos fins-de-semana separados e muitas horas de jogo. Por vezes também não tens horas de responder, e um relacionamento como o nosso ajuda bastante, porque nos percebemos.
Eu desejo a vossa melhor sorte aos dois que merecem. Espero que a minha próxima notícia sobre vocês seja a noticiar um top bem alto. Mantenham esse espírito porque é encantador.
O Masters Tour Arlington tem um prémio total de 250.000$ com um valor de cerca de 100.000$ destinado ao primeiro lugar. A competição decorre em Arlington, no Texas, entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro.
Para já vão disputar juntos o Red Bull M.E.O. no Red Bull Gaming Ground, já neste Domingo, dia 29.
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