Fotografia: FPF eFootball/João Ferreira

Gonçalo “RastaArtur” Pinto está oficialmente livre do castigo que o afastou dos relvados virtuais durante um ano, regressando com motivação renovada.

Um dos maiores nomes do FIFA nacional, o ex-jogador de Sporting CP, TS Warrior Player e Betclic Apogee abriu o livro sobre a suspensão aplicada no dia 25 de junho de 2022 e o que viveu nos meses que se seguiram.

Antigo internacional português, RastaArtur cumpriu a sua pena de 381 dias desde o acontecimento e falou à RTP Arena sobre o estado do jogo, a forma como lidou com a proibição competitiva e o seu legado, entre outros temas.

Mais motivado do que nunca, o jogador que esteve presente em muitos marcos e momentos históricos do cenário português volta com fome de competição e títulos, espreitando já uma oportunidade com o lançamento do EA Sports FC.

RastaArtur

RastaArtur, o primeiro campeão nacional de FIFA na FPF. Fotografia por: FPF eFootball

RTP Arena: Cumpriste a tua sanção e estás de regresso ao competitivo. Como é voltar ao cenário após esta longa ausência de um ano?

RastaArtur: É bom, este ano fez-me muito relembrar quando tinha 15 anos e estava ansioso por fazer 16 para poder competir, ou até mesmo quando tinha 17, porque antes até havia torneios em que só podias participar aos 18. Foi muito isso, um ano a treinar no off para não perder o ritmo – parecendo que não, ficar um ano de fora e sem jogar seria mau.

Tentei aproximar muito o que eu fiz, não há 10 mas talvez oito anos e pegar nisso, tentar ao máximo não perder o ritmo da competição e treinar quase todos os dias. Deu para descansar, não vou dizer que não. Deu para descansar, ver muitos erros que os outros cometem nas competições, erros que toda a gente comete, porque é normal e porque é difícil jogar este FIFA.

Cada vez mais é difícil de jogar o jogo, as pessoas jogam-no cada vez melhor. É importante e até engraçado – claro que é difícil não poder competir porque há sempre muita vontade de o fazer e acho que até há mais agora, mas é bom também ficar um pouco de fora, isso já aconteceu a vários atletas. É bom para podermos ver coisas que não víamos quando estávamos a competir.

RTP Arena: Agora, olhas para este período com sinais positivos mas talvez não tenha sido sempre assim. Recuamos ao dia 25 de junho de 2022, aquele que terá sido o pior dia da tua carreira com o comunicado emitido pela EA. Quais foram os teus sentimentos após o castigo?

RastaArtur: Foi um sentimento… obviamente, de injustiça. É a palavra certa que me passava pela cabeça nessa altura, mas, ao mesmo tempo, senti que não podia fazer nada, portanto não valia a pena tentar ir mais contra isso. Era uma situação que já se arrastava há dois meses, senti que o melhor era mesmo aceitar e seguir em frente, que foi o que tentei fazer ao longo do ano.

Foi o que fiz, sabendo que é muito difícil não poder competir, é aquilo que nós gostamos e para o qual treinamos ao longo de vários anos, mas é o que é. Foi uma questão de tentar aceitar o mais rápido possível, limpar a cabeça e preocupar-me com aquilo que eu podia fazer: treinar, ver os outros, aprender com eles e continuar o meu percurso, fora da competição, para poder estar ao mesmo nível no regresso.

Betclic Apogee FPF

Se me perguntares aquilo de que senti mais falta, foi mesmo estar inserido num ambiente de equipa. Fotografia por: FPF eFootball

RTP Arena: Uma sanção na eLiga podia não ter sido uma sanção na EA. Chegaste a ter testemunhas, pessoas influentes na comunidade e até rivais a apelarem à tua amnistia, ainda que sem sucesso. Havia espaço para uma sanção mais curta por parte da EA?

RastaArtur: Provavelmente sim, mas é uma questão sobre a qual já não podia fazer nada. As pessoas responsáveis acharam que era a melhor forma e só pude aceitar, não podia fazer mais nem protestar muito para não agravar ainda mais o meu caso.

Já sabemos que a comunicação, entre nós e a equipa da EA, também não é muito fluida porque nunca foi presencial. Lá está, foi o que foi, simplesmente aceitei.

RTP Arena: Sem poder competir, acabaste também por não renovar e perder o apoio da Betclic Apogee. Sem a tua principal forma de sustento, quão difíceis foram estes 12 meses para ti? Encontraste outra forma para subsistir?

RastaArtur: Diria que foi difícil, mas nunca uma grande preocupação para mim. O mais difícil foi mesmo não estar numa equipa, não poder conversar com ela neste tempo todo. Sinto e sentia que tinha sempre grandes ideias para poder ajudar a minha equipa e, dessa forma, também um pouco afastado ao não poder ajudar.

Parecendo que não, julgo ser uma pessoa que percebe muito do jogo e daquilo que os jogadores já sentiram e sentem nos momentos decisivos das competições. Se calhar até podia ter sido útil para uma equipa fora dos relvados, mas não foi essa a opinião da minha anterior equipa.

Basicamente, fiquei por minha conta e com pessoas com as quais me dou no FIFA, pessoas importantes para mim como o Armando, o Dantas, o Dallano (com quem estive em qualificadores), o MarQzou que acompanhei em alguns torneios, o próprio JOliveira10 que também foi muito importante, a puxar-me sempre para cima na altura e eu a ele.

Somos duas pessoas que já fizeram muito pelo FIFA e temos uma relação próxima, porque já convivemos há bastante tempo. Se me perguntares aquilo de que senti mais falta foi mesmo de estar inserido num ambiente de equipa.

RTP Arena: Nesta ausência, outra das tuas apostas – ainda que sem grande regularidade – foi a criação de conteúdo, algo que voltaste a fazer ainda recentemente. Dedicares-te às streams e arranjar apoio de uma equipa era algo que te interessava ou nunca te passou pela cabeça?

RastaArtur: Não porque, obviamente, não faço muitas streams, mas, quando as faço, é porque as pessoas me pedem. Gostam de me ver streamar e é visível quando há um torneio. Muitas pessoas perguntam onde é que estou, como estou, porque estou castigado e isso demonstra que há muita gente que tem carinho por mim.

Quatro anos competitivos não serão esquecidos só porque sim e foi a isso que eu me agarrei muito este ano, para treinar, jogar, aprender e evoluir.

RTP Arena: Não faltam jogadores que, quando recebem este tipo de sanções, desistem simplesmente e terminam a carreira. Obviamente, já reforçaste por diversas vezes a tua vontade de competir mas dirias que esse castigo não afetou a tua moral e essa própria vontade? O que é que te manteve no FIFA?

RastaArtur: O que me manteve é mesmo a minha vontade de vencer. Todos os dias ligo o FIFA e vou competir, seja nos amigáveis ou no Division Rivals. A minha vontade de ganhar e jogar é a mesma que tenho ainda antes de poder competir, estamos a falar de há seis ou sete anos atrás. Essa chama que tenho dentro de mim mantém-se, nunca pensei no “Acabou, chega”.

Claro que estar sem competir também me possibilita viajar, estar um mês sem jogar FIFA se for preciso e, se tivesse de pegar em algo bom no meio disto tudo, é mesmo ter mais liberdade e não ter aquela obsessão em ter de jogar para ser o melhor, porque tenho uma competição na próxima semana.

Diria que isso é o bom, mas, ao mesmo tempo, se tivesse de o fazer, não me importava porque é aquilo de que gosto e é o que vou tentar continuar a fazer nos próximos anos, dilatar ainda mais o meu legado no FIFA. Mesmo com um ano parado, acredito que ainda posso vencer muitos torneios e vou trabalhar para isso.

rasta RastaArtur

Com motivação em altas e um mental forte, RastaArtur anseia pelo seu regresso aos torneios.

RTP Arena: Ajudou também a melhorar a tua sanidade mental. Olhando bem, esta sanção acabou por não te afetar apenas uma mas sim duas temporadas, dado o timing em que aconteceu. No meio disto tudo, sentes que, de alguma forma, o teu legado fica manchado pelo que aconteceu?

RastaArtur: Primeiro, nunca vou deixar que o meu legado seja afetado por terceiros, esse é o primeiro ponto. Segundo, vou estar aqui todos os dias a trabalhar, não só para limpar este último ano em que não pude competir, mas para limpar também a minha falta de títulos e vou tentar já conquistá-los a todos no próximo ano.

É aquilo em que sempre acreditei, mesmo depois do castigo e que me deu vontade para treinar – “Ok, não pudeste competir um ano, foi um ano sem poderes ganhar títulos. Vamos trabalhar para o ano em que tu possas jogar e ganhar títulos, por muito que seja difícil e a comunidade esteja cada vez mais forte”.

Quando digo comunidade, falo da comunidade global do FIFA e vem aí um novo jogo, um jogo onde vão todos começar da mesma forma e aquilo em que tocaste há pouco é uma verdade. A minha sanidade mental está diferente, está melhor, o facto de ter ficado um ano de fora deu para perceber muitos erros que os jogadores cometem e que eu também cometia quando estava a competir, erros que faziam com que o meu mental não estivesse tão bom.

Acredito que, com a junção disto tudo, me possa tornar, não só numa pessoa melhor, mas também num jogador de FIFA muito mais competitivo e que ambiciona ainda mais títulos, porque eu não vou mentir: o FIFA 22 talvez tenha sido o meu pior ano, da forma que estava a correr, muito longe dos títulos – fiz apenas um Top 4 em abril e ganhei a Supertaça, mas isso era uma competição com duas equipas apenas e era coletiva.

Não quero dizer que estar afastado é uma coisa boa e que me fez bem até para acordar de “Acorda, estás a fazer um mau trabalho e agora vais ficar um ano de fora para pensar naquilo que estás a fazer”, mas diria que, ao mesmo tempo, há sempre coisas positivas nas coisas negativas que te acontecem na vida e esta é uma mensagem que quero passar a muita gente e vou fazê-lo durante o verão.

Existem muitas coisas negativas que encontramos na vida e nós encaramos estas coisas da forma que queremos… se nos quisermos levantar, vamos olhar para as coisas positivas, acreditar em nós mesmos, na nossa força, porque cada um de nós tem uma força dentro de si que nos faz acreditar todos os dias que podemos ser melhores.

RastaArtur

RastaArtur e tuga810, os mais titulados em torneios FPF. Imagem por: FPF eFootball

RTP Arena: Na tua ausência, o tuga810 aproveitou para igualar o teu registo como jogador mais titulado da FPF eFootball em 1vs1. Isto é algo que alimenta ainda mais essa tua fome de voltar e vencer?

RastaArtur: É bom ver alguém que é capaz de te igualar. Se um já o fez, quer dizer que ainda existem mais que podem chegar a esse nível e tu podes pegar neste tipo de coisas: “Ei, mas o RastaArtur tinha seis títulos”. Sim, o tuga810 começou com zero e chegou aos seis. Isto é um sinal de que eu, mesmo com seis títulos, posso chegar aos 12, aos 18 e por aí fora, nada me impede.

Neste caso, estamos a falar do tuga que é um jogador excelente. Aliás, a maior conquista dele nem será essa, mas sim a que ele teve no ano passado em 2vs2 com o Andonii (FIFAe Club World Cup). O bom disto é toda a gente perceber e todos os jogadores de FIFA perceberem que é possível, nós podemos. O problema do FIFA, e vamos tocar outra vez na parte da sanidade mental, é quando tu começas a acreditar que não podes, não vais conseguir.

Esse é um problema dos jogadores de FIFA, das competições em geral, portanto lá está – fez-me também acreditar que é possível chegar aos 12, chegar aos 18. Com o devido respeito por todos os jogadores, como todos nós devemos ter, é acreditar que é possível sermos melhores e superarmo-nos a nós próprios.

O tuga810 estar a ganhar tantas competições nestas últimas três épocas mostra isso mesmo, superou-se a ele próprio e conseguiu vencer onde toda a gente diz: “Olho para aqui e qualquer um pode ganhar o torneio”, é verdade mas ganhou sempre (ou quase sempre) o tuga e isso quer dizer alguma coisa.

Por muito bons que os outros sejam, há algo que o tuga tem que os outros não conseguem manter todos os torneios. Obviamente, de fora é mais fácil perceber. Estando de fora e já tendo estado a competir e ganho tantos torneios, ainda é mais fácil perceber. Faz-me acreditar que posso ir em busca dos 12, 18, 20 e tal troféus, o que quer que seja, todos os dias a trabalhar com o meu ritmo para tentar chegar lá.

tuga810

RastaArtur não poupou elogios a tuga810. Fotografia por: Getty Images/Arroyo

RTP Arena: Não é surpresa que exista insatisfação dos jogadores em relação ao estado do competitivo e do próprio jogo. Para ti, quais são os principais pontos que têm de ser alterados para melhorar esse ecossistema e inverter a tendência a nível de visualizações decrescentes?

RastaArtur: Em relação ao jogo em si, acho que o pior atualmente nem seja a gameplay, mas sim tudo o que se passa à volta do jogo. Por exemplo, gosto de pegar no caso do JOliveira10, porque é o caso mais gritante dos últimos anos. Foi ele que impulsionou muito a parte competitiva do jogo no sentido em que as pessoas que nem sequer sabiam que existia FIFA competitivo ficaram a conhecer.

Depois, eu e o tuga810 naquele ano de 2019, aconteceu tudo ao mesmo tempo e ajudou bastante. O ponto a que quero chegar é – uma pessoa que tinha cinco a seis mil pessoas quando fazia streams de FIFA e é jogador profissional, mesmo que tivesse mantido as suas streams diárias, já não dá para manter esses números. Isso faz com que o Jota, que foi um jogador que sempre se agarrou muito a isso e que teve sempre esse apoio das pessoas, se perca.

Quem diz o Jota, diz por exemplo o Gouvy, exatamente igual. Eu cheguei a ter streams com 1500, 1600, 1800, 2000 pessoas mas nós deixamos de poder fazer isso. Deixou de existir a Weekend League dos 30-0, 40-0s e as pessoas perderam interesse nisso, acabou. As recompensas eram incríveis e já não são.

Tudo isso desgasta muito um jogador – à medida que um ano passa, que os anos passam, por muito que tu te entregues, vês que o produto que tu tens vai diminuindo ao longo dos anos e não percebes o porquê. Óbvio que tu ficas um pouco triste, desmoralizado com esta situação. Depois, vamos ainda mais longe.

Antes tinhas competições quase todos os meses, em diferentes continentes e agora não tens isso. Todos os jogadores que já viveram isto, obviamente que há sempre exceções, acredito que passem sempre por uma pequena depressão. Quer dizer, eu competia em Singapura, Atlanta, Roménia, Londres, Manchester, onde quer que seja e agora estou a competir online?

E agora só jogo online? E se jogar, vou jogar a Londres o torneio e acabou? Ou vou jogar a Copenhaga e acabou, não há mais? Essa fome que os jogadores tinham, meio que lhes tiraram a comida que tinham sempre no prato. Ao longo dos tempos, o FIFA entrou em depressão, é o que acho.

Olhando para o FIFA de fora, parece-me que o jogo está em depressão – os viewers já não olham para o jogo da mesma forma, os jogadores casuais que queriam aprender para serem profissionais já não querem, porque o jogo perdeu muito esse interesse. A Weekend League, as recompensas, diversas coisas. Nós pros perdemos um pouco isso e claro está que fica mais fácil, dentro do difícil, para jogadores que nunca viveram isso, entrarem e ok: “esta é a minha realidade, nunca conheci outra”.

Vou pegar no caso do Jafonso, um jogador que acho extraordinário e que aprendeu muito com o jogo. Acho que seria muito mais difícil para ele, no seu primeiro torneio, jogar contra mim nas meias-finais num presencial com 100 pessoas à nossa volta, com o FIFA a bombar nessa altura. Seria muito mais difícil para ele defrontar-me do que da forma que foi e, mesmo assim, perdeu, porque, lá está, primeiro torneio, etc…

Todos nós, jogadores, aprendemos com as derrotas, mas este é o ponto ao qual quero chegar – quem já viveu tanto os presenciais, tirar as fotos, o nervosismo de ser em LAN e não sei quê, é tudo muito bonito, mas depois estás a jogar online contra jogadores que só conhecem essa realidade, é muito mais fácil para eles e disso não tenho qualquer dúvida.

Todas estas razões conduziram o FIFA a uma depressão – há jogadores que não sabem o que foi o FIFA, para eles está tudo bem, mas para os outros (e ainda somos bastantes porque o FIFA era muito jogado no 17 e 18) meio que morreu e torna-se difícil.

Obviamente, para mim é mais fácil, que fiquei um ano de fora e não tenho essas preocupações, mas acredito mesmo que, se neste ano estivesse a competir, ia chegar ao fim desta época bem mais desgastado do que fiquei nos outros anos.

RastaArtur

Eu competia em Singapura, Atlanta, Roménia, Londres, Manchester, onde quer que seja e agora estou a competir online? Fotografia por: Armando Vale

RTP Arena: O que podemos esperar do RastaArtur para os próximos tempos e épocas?

RastaArtur: Uma pessoa que tem sempre muita vontade de aprender com os outros e isso sempre foi um ponto-chave da minha carreira, um ponto que me fez evoluir bastante todos os dias, é a minha principal raíz no FIFA, sempre foi. Aprender muito com os outros, saber aquilo que eles fazem de bem e acreditar que eu também o posso fazer.

O acreditar em mim, respeitar os outros para poder evoluir ao máximo. O que podem esperar de mim? A mesma pessoa que fui ao longo destes anos todos. Um jogador que vai estar e tentar estar sempre nas decisões, que vai lutar muito por isso e mais só dentro de campo.

RTP Arena: Muito obrigado pelo tempo dispendido para esta entrevista. Tens algumas palavras finais ou agradecimentos que queiras deixar?

RastaArtur: Quero dar uma palavra a todos os jogadores competitivos de FIFA, em Portugal principalmente. A época até pode não estar a correr tão bem para eles, mas acreditem sempre em vocês. O facto de terem ou não bons resultados só vai depender de vós e mais ninguém, só isso.

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